quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Errar é humano, tchê


Turrão. Polêmico. Falastrão. Irrequieto. Intempestivo. Engraçado. Vencedor. Sinônimos de Felipão. Mas até a raça gaúcha tem limite, tchê. O personagem do duelo entre Portugal e Sérvia, válido pelas Eliminatórias da Eurocopa, foi o inquestionável Luiz Felipe Scolari. Desta vez, não por um esquema tático infalível, uma substituição decisiva ou uma preleção de fazer qualquer time jogar com a alma. Pelo contrário. Felipão foi o destaque negativo do jogo.

Em campo, sua equipe continua sem convencer. Saiu na frente, perdeu boas oportunidades de ampliar o placar e acabou castigada com um empate no fim do jogo. Scolari assistiu a tudo. Peregrinou à beira do gramado. Reclamou. Gritou. Esbravejou. Como sempre. O gol sérvio irregular acirrou os ânimos. Sob um estádio José Avalade completamente lotado, o técnico decepcionou. Não só pelo mau futebol demonstrado dentro das quatro linhas.

Felipão Popó Scolari mostrou seu lado pugilista. Golpeou, com um soco na face, o zagueiro sérvio Dragutinovic. A agressão passou de raspão, o defensor se esquivou do murro, mas o brasileiro não deve escapar de uma punição. A atitude foi um verdadeiro gol contra. Pode atrapalhar ainda mais a situação de Portugal, que é apenas o terceiro colocado do grupo A, atrás da mediana Polônia e da inexpressiva Finlândia. Só os dois primeiros se classificam para a competição.

No dia seguinte, de cabeça fria, Felipão fez o que se esperava: pediu desculpas. Falou que agiu em defesa do jovem Quaresma, que é seu atleta. Reconheceu que errou. E até admitiu estar preparado para uma eventual pena.

Figura adorada por todos os brasileiros, Felipão mostrou-se falível. Provou que não é um poço de perfeição, que ídolos também perdem a cabeça, extrapolam, se excedem. Afinal, são todos feitos de carne, osso e emoção. Ao pisar na bola, Scolari somou mais uma palavra ao seu dicionário de sinônimos. Humano.

Wagner Sarmento

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Um mito, duas paixões e um adeus


Mais que um personagem: uma bandeira. Hasteada por um talento singular. Hoje, a meio mastro de saudade. Porque o jogo da vida sempre baliza um fim. Este blog abre espaço pra dizer adeus àquele cuja voz era tão emocionante quanto um grito de gol do time do coração. O tenor Luciano Pavarotti, aos 71 anos de idade, silenciou. Há um ano, ele iniciou sua partida mais difícil: descobriu um câncer no pâncreas. Lutou, bravamente, como um craque que não se deixa abater pela marcação adversária e prossegue a jornada a caminho da vitória. A doença, no entanto, foi implacável. Pavarotti, personagem do mundo, protagonista na vida, morreu. Mas sua canção ecoa. A ópera que a história eterniza e o futebol há de recordar.

Nascido em Módena, na Itália. Torcedor do Milan. Amante do esporte bretão. Amor, na verdade, que sempre foi palavra de ordem na trajetória do tenor. Amor ao Brasil, país do futebol, visitado sete vezes por Pavarotti. Amor à música, a quem ele tão bem tratou. Em sua voz, aliás, as melodias eram como a bola nos pés de Pelé. Um sonho. Real. Encampou a missão de popularizar a música erudita. Craque do lirismo, Pavarotti levantou multidões, ergueu estádios, provocou risos e lágrimas. O mundo era seu campo e sua torcida.

A metáfora com o esporte não é obra do acaso. Soa, sim, como o casamento de acordes prometidos e jogadas ensaiadas que terminam num golaço. O menino Pavarotti, em sua infância, sonhava ser jogador de futebol. Chegou a ficar em dúvida entre tentar o sucesso com a bola ou encantar o planeta com o som exalado pelo coração. Com o faro de gol de um artilheiro, soube escolher o caminho certo. A música ganhou um gênio. O futebol não perdeu o apaixonado. Um mesmo personagem em dois palcos distintos e entrelaçados. Luciano Pavarotti protagonizou com Plácido Domingo e José Carreras uma parceria jamais vista na Copa do Mundo da música. Ver os três tenores cantando juntos seria como assistir a Pelé, Garrincha e Maradona jogando no mesmo time.

Pavarotti não precisou de bola na rede para lotar o Morumbi e o Pacaembu em duas ocasiões em que esteve em nossas terras. O sabiá que aqui gorjeou também provou entender de futebol. Certa vez, no Rio de Janeiro, disse que Romário era o melhor do mundo. O italiano também recebia, em cada aplauso, a mensagem codificada de que, no jogo da voz, o melhor do mundo era ele. Em seu último espetáculo, em Nova Iorque, inclusive, recebeu uma salva de palmas de 11 minutos. Um grito de gol prolongado. Uma ovação do tamanho da grandeza do tenor. E, após 50 anos dedicados à ópera, o homem Luciano Pavarotti sucumbiu. Mas sua voz permanecerá audível na memória da humanidade. Como o futebol não se esquece de seus maiores ídolos, como o torcedor não cansa de recordar suas melhores conquistas, a biografia do tenor italiano ressonará como um hino. Letra e melodia de um personagem que fez da voz sua jogada inesquecível. Uma ópera. Uma sinfonia de gols de placa.

Wagner Sarmento

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O craque dos olhos tristes


Nos pés dele, a bola parece mais leve. O campo, mais liso. Em ação, ele não corre. Passeia. Desliza. Baila. Um tango de poucos sorrisos e habilidade singular. Uma dança que ecoa tragédia aos adversários. Seu nome foi emprestado do lendário conquistador espanhol Don Juan. Dom que seduz. Multidões.

Don Juan Román Riquelme: místico por natureza, encantador também por obra dela. O argentino é uma figura intrigante. Semblante indecifrável. Inimigo de extravagâncias. Capaz de ofertar alegria sem esboçar qualquer simpatia. Ora gênio. Ora supostamente desleixado. Personalidade excêntrica que desfila no gramado um toque refinado. Pouco visto no futebol. Digno dos maiores. O craque dos olhos tristes.

Desde que surgiu no esporte, há exatos 10 anos, no Campeonato Mundial Sub-20 conquistado pela Argentina, o então garoto exibia a mesma expressão. O tempo passou. Fez de Riquelme tricampeão da Taça Libertadores da América. Deu-lhe três títulos nacionais pelo Boca Juniors e uma semifinal de Liga dos Campeões da Europa pelo modesto Villarreal. Time que só conheceu o sabor de ser campeão sob a regência do maestro argentino, após 80 anos de história. A face não mudou.

A partitura de Román, no entanto, também foi escrita com melodias de tristeza. O mundo sempre espera muito de quem tem muito a oferecer. Tantas qualidades cobriram de pressão o meio-campista argentino na passagem pelo Barcelona e nas atuações pela seleção. O peso de vestir a mesma camisa 10 imortalizada por Diego Maradona impôs duros baques a Riquelme e mergulhou o jogador no mar das dúvidas.

Nem as desconfianças, porém, abalam a feição estática do hermano. Ele segue imune. Perene. O craque dos olhos tristes. Olhos que conquistaram o planeta sem o poder de sedução do homônimo legendário. Olhos que vislumbraram mais uma oportunidade de conviver com a decisão este ano. Na breve e milionária volta ao Boca, ele teve a chance de pôr na conta o tricampeonato da Libertadores. O peso da glória mais uma vez se insurgiu na carreira de Riquelme. À beira de um tango dramático, o meia somou mais um triunfo. Na Copa América, contudo, pôs na conta o fracasso de nova derrota para o Brasil. Na pré-temporada, seu nome perambulou em especulações, mas o mercado da bola lhe negou espaço. O questionado argentino acabou de volta ao Villarreal, clube que ele pôs no mapa do futebol. Aos 29 anos, Román busca mais um recomeço na carreira.

Independentemente do êxito neste desafio, Riquelme se consolida como uma dessas figuras que a história haverá de eternizar. Talvez na página dos gigantes. Talvez no rodapé das frustrações. Decerto no capítulo especial destinado a quem fez o futebol mais bonito. Mesmo sem grandes sorrisos.

Wagner Sarmento

A esperança alvirrubra é celeste


Para o Náutico sonhar em permanecer na Série A, a força do grupo é determinante. Mas um personagem em especial vem se tornando chamariz da esperança alvirrubra. Alberto Martín Acosta Martinez, uruguaio, 1,90 metro, 30 anos. Dono de um futebol celeste, Acosta, nome doce na boca do torcedor, tem ostentado a condição de herói desde que chegou ao Timbu. Na última partida, contra o Botafogo, o meia beirou a perfeição. Esteve perto do céu. Foi, de fato, celeste.

O craque que, até então, alternava gols decisivos com expulsões infantis afastou a instabilidade com uma atuação memorável. Botou fogo. Falsamente desengonçado, Acosta desfilou em campo. O nariz avantajado, sempre imponente, apontava a direção do perigo. Os olhos, fixos. Os dentes, rangidos. Os passos, largos.

Onipresente, o uruguaio se valeu da altura e empatou o jogo de cabeça. Depois, virou a partida num pênalti que ele mesmo sofreu, após passar por entre dois marcadores, como quem transpõe os limites do impossível. Antes, protagonizou o lance que resultou na expulsão do atacante alvinegro Jorge Henrique.

A seriedade era a mesma. Ou melhor, quase. Nova penalidade para o Náutico. Numa mistura de discernimento e ousadia, Acosta brincou. Esperou o goleiro Max cair para um canto e apenas empurrou a bola, que, mansamente, dormiu na rede. Acosta sabe ninar. Completou a goleada com mais um tento. O jogo era dele. O jogo era ele.

A vitória, com direito a show internacional, deu novo fôlego ao Timbu, que subiu uma posição. E, no cenário equilibrado deste Brasileirão, Acosta provou que, quando entra focado para jogar, desponta como protagonista. A esperança veio de Montevidéu, veste a 25 e fala outra língua. Mas, dentro das quatro linhas, o diálogo com a torcida vem sendo afinado. Porque, no idioma da bola, Acosta é professor.

Wagner Sarmento