segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O craque dos olhos tristes


Nos pés dele, a bola parece mais leve. O campo, mais liso. Em ação, ele não corre. Passeia. Desliza. Baila. Um tango de poucos sorrisos e habilidade singular. Uma dança que ecoa tragédia aos adversários. Seu nome foi emprestado do lendário conquistador espanhol Don Juan. Dom que seduz. Multidões.

Don Juan Román Riquelme: místico por natureza, encantador também por obra dela. O argentino é uma figura intrigante. Semblante indecifrável. Inimigo de extravagâncias. Capaz de ofertar alegria sem esboçar qualquer simpatia. Ora gênio. Ora supostamente desleixado. Personalidade excêntrica que desfila no gramado um toque refinado. Pouco visto no futebol. Digno dos maiores. O craque dos olhos tristes.

Desde que surgiu no esporte, há exatos 10 anos, no Campeonato Mundial Sub-20 conquistado pela Argentina, o então garoto exibia a mesma expressão. O tempo passou. Fez de Riquelme tricampeão da Taça Libertadores da América. Deu-lhe três títulos nacionais pelo Boca Juniors e uma semifinal de Liga dos Campeões da Europa pelo modesto Villarreal. Time que só conheceu o sabor de ser campeão sob a regência do maestro argentino, após 80 anos de história. A face não mudou.

A partitura de Román, no entanto, também foi escrita com melodias de tristeza. O mundo sempre espera muito de quem tem muito a oferecer. Tantas qualidades cobriram de pressão o meio-campista argentino na passagem pelo Barcelona e nas atuações pela seleção. O peso de vestir a mesma camisa 10 imortalizada por Diego Maradona impôs duros baques a Riquelme e mergulhou o jogador no mar das dúvidas.

Nem as desconfianças, porém, abalam a feição estática do hermano. Ele segue imune. Perene. O craque dos olhos tristes. Olhos que conquistaram o planeta sem o poder de sedução do homônimo legendário. Olhos que vislumbraram mais uma oportunidade de conviver com a decisão este ano. Na breve e milionária volta ao Boca, ele teve a chance de pôr na conta o tricampeonato da Libertadores. O peso da glória mais uma vez se insurgiu na carreira de Riquelme. À beira de um tango dramático, o meia somou mais um triunfo. Na Copa América, contudo, pôs na conta o fracasso de nova derrota para o Brasil. Na pré-temporada, seu nome perambulou em especulações, mas o mercado da bola lhe negou espaço. O questionado argentino acabou de volta ao Villarreal, clube que ele pôs no mapa do futebol. Aos 29 anos, Román busca mais um recomeço na carreira.

Independentemente do êxito neste desafio, Riquelme se consolida como uma dessas figuras que a história haverá de eternizar. Talvez na página dos gigantes. Talvez no rodapé das frustrações. Decerto no capítulo especial destinado a quem fez o futebol mais bonito. Mesmo sem grandes sorrisos.

Wagner Sarmento

Nenhum comentário: