terça-feira, 11 de setembro de 2007

Um mito, duas paixões e um adeus


Mais que um personagem: uma bandeira. Hasteada por um talento singular. Hoje, a meio mastro de saudade. Porque o jogo da vida sempre baliza um fim. Este blog abre espaço pra dizer adeus àquele cuja voz era tão emocionante quanto um grito de gol do time do coração. O tenor Luciano Pavarotti, aos 71 anos de idade, silenciou. Há um ano, ele iniciou sua partida mais difícil: descobriu um câncer no pâncreas. Lutou, bravamente, como um craque que não se deixa abater pela marcação adversária e prossegue a jornada a caminho da vitória. A doença, no entanto, foi implacável. Pavarotti, personagem do mundo, protagonista na vida, morreu. Mas sua canção ecoa. A ópera que a história eterniza e o futebol há de recordar.

Nascido em Módena, na Itália. Torcedor do Milan. Amante do esporte bretão. Amor, na verdade, que sempre foi palavra de ordem na trajetória do tenor. Amor ao Brasil, país do futebol, visitado sete vezes por Pavarotti. Amor à música, a quem ele tão bem tratou. Em sua voz, aliás, as melodias eram como a bola nos pés de Pelé. Um sonho. Real. Encampou a missão de popularizar a música erudita. Craque do lirismo, Pavarotti levantou multidões, ergueu estádios, provocou risos e lágrimas. O mundo era seu campo e sua torcida.

A metáfora com o esporte não é obra do acaso. Soa, sim, como o casamento de acordes prometidos e jogadas ensaiadas que terminam num golaço. O menino Pavarotti, em sua infância, sonhava ser jogador de futebol. Chegou a ficar em dúvida entre tentar o sucesso com a bola ou encantar o planeta com o som exalado pelo coração. Com o faro de gol de um artilheiro, soube escolher o caminho certo. A música ganhou um gênio. O futebol não perdeu o apaixonado. Um mesmo personagem em dois palcos distintos e entrelaçados. Luciano Pavarotti protagonizou com Plácido Domingo e José Carreras uma parceria jamais vista na Copa do Mundo da música. Ver os três tenores cantando juntos seria como assistir a Pelé, Garrincha e Maradona jogando no mesmo time.

Pavarotti não precisou de bola na rede para lotar o Morumbi e o Pacaembu em duas ocasiões em que esteve em nossas terras. O sabiá que aqui gorjeou também provou entender de futebol. Certa vez, no Rio de Janeiro, disse que Romário era o melhor do mundo. O italiano também recebia, em cada aplauso, a mensagem codificada de que, no jogo da voz, o melhor do mundo era ele. Em seu último espetáculo, em Nova Iorque, inclusive, recebeu uma salva de palmas de 11 minutos. Um grito de gol prolongado. Uma ovação do tamanho da grandeza do tenor. E, após 50 anos dedicados à ópera, o homem Luciano Pavarotti sucumbiu. Mas sua voz permanecerá audível na memória da humanidade. Como o futebol não se esquece de seus maiores ídolos, como o torcedor não cansa de recordar suas melhores conquistas, a biografia do tenor italiano ressonará como um hino. Letra e melodia de um personagem que fez da voz sua jogada inesquecível. Uma ópera. Uma sinfonia de gols de placa.

Wagner Sarmento

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